Disco de estreia ao lado da banda Os Templários, formada por amigos
de longa data, é puro funk metal - uma porrada liberada para download
gratuito.
Quando Wagner Domingues da Costa, o músico carioca EGRESSO do Morro do Borel que batizou a si mesmo de Mr. Catra,anunciou que ia gravar um disco de rock, foi um verdadeiro pega pra
capar. As redes sociais explodiram de camisas pretas erguendo suas
tochas e achando que aquilo era um absurdo, uma baixaria, um desrespeito
ao “sagrado” rock n’ roll.
Isso durou até o cara mostrar O Retorno é de Jedi, a primeira canção da trupe que atende pelo nome de Mr. Catra e Os Templários,
um verdadeiro soco na cara cheio de distorção, com uma guitarra pesada e
um baixo trepidante tão grave quanto o próprio vozeirão do cantor.
Na quinta-feira 17, rigorosamente o mesmo dia em que o novo Star Wars
chegava aos cinemas Brasileiros, Mr. Catra liberava finalmente o
primeiro disco da banda – que pode ser ouvido na íntegra dentro do
SoundCloud (ou lá embaixo!) ou ainda baixado oficialmente num link do Mediafire, sem mistérios, sem frescuras, com direito a versão digital do encarte e tudo mais.
São apenas seis músicas – O Retorno é de Jedi, que dá nome
ao disco, é uma faixa bônus, relançada com um mix diferente – mas com um
potencial brilhante. De verdade, é um dos álbuns de rock nacional mais
poderosos e inventivos lançados no ano. É puro funk metal, na veia, com
riffs de guitarra típicos do metaaaaaaaal e aquele slap de baixo que os
músicos de James Brown conhecem muito bem. Sabe Faith No More? Sabe Rage
Against The Machine? Sabe os primeiros discos do Red Hot Chili Peppers?
Pois é. Bem por aí mesmo.
Vocês conhecem um sujeito chamado Mike Muir? É, o vocalista do
Suicidal Tendencies – a banda que foi lá e ajudou a quebrar as paredes
entre o o hardcore e o thrash metal, criando o tal do crossover? Pois é.
Ele tem uma outra banda. De funk metal, vejam vocês. Chamada Infectious
Grooves. Pois é: Os Templários do Catra bebem pra caralho da fonte do
som cheio de peso e grooves (com o perdão da referência óbvia) dos
Infectious de Muir.
É um som que conversa com o hip hop, claro, em especial no jeito que
Catra canta as letras. A voz cavernosa, que poderia facilmente encarnar
uma pegada mais thrash metal, opta por uma levada mais ritmada, como um
MC de rap. Os temas das canções – cujas letras, em grande parte,
reaproveitam material pouco conhecido ou nunca utilizado de uma fase
menos humorística/sexual e mais proibidão da carreira de Catra – giram
essencialmente em torno dos tipos da quebrada.
Como o próprio nome já indica, a ótima Vacilão (que tem até o
Catra arriscando um gutural, vejam vocês) fala sobre o X-9, o dedo duro
que entrega os irmãos, o invejoso que nunca está satisfeito com o que
tem e fica de olho no quanto cresceu a grama do vizinho. Já Simpático,
que abre o disco com a guitarra mais metalzão de todas, é a respeito do
puxa-saco, aquele que vive “na sombra do patrão”, cuja profissão “é
agradar vagabundo”.
Cativeiro, com um clima de “o que aconteceria se O Rappa resolvesse fazer uma nova parceria com o Sepultura”, é uma discussão
forte a respeito da conexão fácil que muita gente faz entre “viver na
favela” e “ser criminoso”. Pra encerrar os trabalhos, temos Filhos da Puta
– uma metralhadora giratória que atira em Brasília, nos donos de
igrejas que lucram com a fé alheia e para os “filhos da puta” de todas
as espécies.
“Acho que esse disco vai acabar com a brincadeirinha que virou o
rock. Agora é porrada. O rock voltou. Acabou o colorido. Acabou a
matinê”, diz ele, provocativo, em entrevista ao UOL.
Fã declarado de bandas clássicas como Deep Purple, Led Zeppelin, Judas
Priest e AC/DC, além de brasileiras como Inocentes, Titãs, Camisa de
Vênus, DeFalla e Ratos de Porão, Catra até compara sua voz com a de
medalhões gringos, sem modéstia. “Acho a minha voz parecida com a de
alguns caras. Tipo a do David Coverdale”.
Tem diferença? Claro que tem. A voz do Catra continua inteira. Já a
do Coverdale, bom, quem andou vendo uns shows mais recentes dele
provavelmente vai ter uma surpresa negativa... ;)
Pra quem tem alguma familiaridade com o cenário underground do Rio de
Janeiro, a incursão roqueira de Catra não deve surpreender. Afinal, na
década de 1980, antes de se meter a cantar funk, Catra foi guitarrista
da extinta banda O Beco, dividindo os palcos de casas alternativas como o
Garage (Rio de Janeiro) e o Aeroanta (São Paulo) com alguns dos músicos
que hoje tocam ao seu lado n’Os Templários. “Somos uma galera que se
conhece como vizinhos, camaradas de copo, de balada, de estúdios e até
de palcos desde tempos atrás”, descrevem eles no arquivo de texto que
vem junto com as faixas para download.
Os Templários são formados por Reinaldo Gore Doom (guitarra, da banda
de ska/hardcore Cynics), Marcello Nunes (bateria, da banda de hardcore
Serial Killer), Stanley Zvaig (baixo, que também é o produtor e
responsável pela mixagem) e os percussionistas Wellington Coelho (Farofa
Carioca) e Morgan Stern – além de trazer nas picapes Lucky DJ, 19 anos,
um dos mais de 30 filhos de Catra (pelo menos, de acordo com a última
contagem oficial que ele mesmo diz ter feito).
“Ah, mas ele é funkeiro, não merece/pode/deve fazer rock”. Se este é o
seu único argumento, vou te contar um segredo, amiguinho, parafraseando
uma citação genial que andou rodando as redes sociais: depois que você
passa dos 15 anos de idade, já tá liberado gostar de rock sem precisar
odiar outros gêneros musicais, tá? <3
Ouça O Retorno é de Jedi na íntegra aí embaixo. :)
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