Só há duas maneiras de uma sociedade se organizar. Uma é a democracia. Outra, a ditadura.
Na democracia, os dissensos se liquefazem na saliva, à custa de muita conversa, de arrastadas negociações.
Na ditadura, os conflitos são resolvidos na marra, sob tortura, censura e outras ignomínias.
Dê-se de barato, por óbvio, que a democracia é melhor do que a ditadura. E siga-se adiante.
No organismo de uma sociedade democrática, o coração pulsa no Congresso. Por quê?
Pela simples razão de que a criatividade humana não logrou inventar nenhum artifício alternativo para dissolver os seus conflitos.
O que é o Parlamento? Numa definição simplista, é a alternativa ao vale-tudo.
O Congresso não é senão a melhor opção disponível para evitar que os conflitos deságuem em violência.
Evolua-se para uma segunda interrogação: De que matéria-prima é feito o Legislativo?
A resposta é, de novo, singela. Não há marcianos na Câmara e no Senado. Nenhum dos seus membros desembarcou de uma nave de outro planeta.
As duas casas legislativas nascem dos votos, misturados numa argamassa que concentra as vontades, os anseios do eleitor.
Numa palavra: o Congresso é feito de pedaços da própria sociedade. Ali convivem pessoas de todas as origens.
Empresários, sindicalistas, padres, evangélicos, direitistas, esquerdistas, brasileiros de bem e malfeitores.
Em meio a uma composição assim, tão diversa, as decisões do Parlamento nem sempre resultam de consensos perfeitos.
Por vezes, o dissenso é resolvido, atenuado ou postergado por meio de acordos possíveis.
Um exemplo: No ocaso da ditadura brasileira, o Congresso enterrou a emenda que instituía a eleição direta.
Um ano depois, contornou o erro elegendo Tancredo Neves no colégio eleitoral. Por vias tortas, chegou-se ao desejo das ruas.
Pois bem, em períodos como o atual, uma fase em que o Senado está pendurado nas manchetes com a aparência de casa de trambiques, viceja o discurso fácil.
Observadores destemperados, mal informados ou, pior, mal-intencionados põem-se a dirigir impropérios contra o Congresso.
Há até quem, no pico da raiva, se aventure a defender o fechamento do Legislativo. Erra-se o alvo. Subverte-se o debate.
O vício não está no Congresso, mas nos congressistas. Noutros tempos, quando o caldeirão político ferveu, o Parlamento soube manusear o balde de água fria.
No Collorgate, apeou-se do poder um presidente da República. Na crise do Orçamento, foram passados na lâmina os mandatos dos anões.
Mais recentemente, deputados que se serviram das arcas valerianas foram poupados.
Um senador que pagava mesada à ex-amante valendo-se da intermediação de um lobista amigo, teve o mandato preservado.
Um Congresso decente teria se privado da autohumilhação. Ou, por outra, teria se esquivado de humilhar o país.
Natural que, agora, a crise escorregue para o prosaico. O deputado que esconde o castelo de R$ 25 milhões, o diretor-geral que oculta a casa de R$ 5 milhões...
...Outro diretor que cede o apartamento da Viúva aos filhos, as 181 diretorias do Senado as 104 diretorias da Câmara, isso e mais aquilo.
É justo, muito justo, justíssimo que a platéia expersse sua ira. Mas deve fazê-lo sem olvidar um detalhe crucial: a alternativa à democracia é o tanque da ditadura.
De resto, vale lembrar um episódio que envolveu Picasso e o seu "Guernica", quadro que mostra a destruição da cidade de mesmo nome durante a guerra civil espanhola.
Ao visitar Picasso em seu estúdio, um militar alemão deu de cara com uma reprodução de "Guernica". "Foi o senhor que fez?", perguntou.
E Picasso: "Não, não. Foram os senhores". Assim também com o Congresso. É ruim? Pois foi você que fez.
por: Josias de Souza
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